Olha, depois que você sumiu, vou te dizer que julgo até estar indo bem por aqui. As coisas tão andando. Mudei de emprego, passei da experiência, me sinto realizado profissionalmente por mais difícil que seja adentrar em um ambiente que, por mais maravilhoso que seja, é desafiador na mesma proporção. Outra língua 24/7, falar com várias pessoas todos os dias, reunião atrás de reunião. Mas, cara, vou te falar que nunca estive tão feliz. Sinto que posso fazer alguma coisa pra ser mais do que sou. Que posso explorar as oportunidades que me deram. E, claro, agradecer a confiança que depositaram em mim.
Foda que tu desapareceu antes. Queria poder te contar isso.
Não posso.
Na real, não quero.
Vou mudar pra um apartamento maior, não tô tendo (ainda) aperto de grana, meu filho tá crescendo, ajudo quem eu posso e me arrependo de não ter visto minha afilhada/sobrinha mais que uma vez. Isso porque ela já nasceu tem dois meses.
A vi uma vez.
Maldito micróbio aí fora.
Ela tava dormindo. Linda, maravilhosa.
Ce deveria ver.
É a cara da Gab.
Me veio aqui agora que, se for por na caneta, a vi mais que te vi nos últimos anos. E olha que fomos parte da vida um do outro por mais de duas décadas.
Consideração que deveria chamar?
É. Talvez.
Tem umas cenas que te trazem à mente, tá ligado? Todos os dias.
Falar com o Yuri já é um gatilho pra que você apareça. Falar com a minha irmã, ouvir um samba, assistir jogo do São Paulo, comer amendoim, tomar cerveja. Até fazer sopa daquelas aguada horrível que você fazia.
Penso se eu deveria ter ficado. Se eu não tivesse metido o pé de casa, será que eu seria mais seu filho pra você? Será que ce ainda ia me tratar como quando eu era moleque? Que eu era foda, que eu era "o cara".
Por que eu não sou mais? O que eu fiz?
Não sei, pai.
Tem dia que eu te odeio por ter dado as costas pra mim. Por simplesmente fingir que não existo. Só que, aqui, existe um puta paradoxo: sinto sua falta, mas, vou te falar que sentiria muito mais a de quem eu sou hoje sem você.