domingo, 18 de agosto de 2019

Não te liguei.

Eis que eu não te liguei.

Foi dia dos pais e, dessa vez, eu não peguei no telefone pra te ligar. Pra te dar um "oi" ou seja lá o que fosse possível fazer nessa data.
O fato é que ainda não tô conseguindo ter certas proximidades contigo. Não tô conseguindo olhar ou observar em mim os seus trejeitos. Essas porra me deixam mal pra caralho.
Não tô conseguindo ver o pai que ce me foi. E eu não to sendo ele pro Yuri porque me esqueci de quem ce foi pra mim.
O tempo passou e não sinto mais a sua presença mesmo estando onde eu sei que está.

Pai, o tempo tá passando. Seu neto tá crescendo.
Confesso que, às vezes, é bem treta lidar com ele. Ele tem muito de nós dois, sabe? Ele tem muito de você.
Confesso que fico puto por ver você nele, às vezes. Você nunca esteve aqui pra que ele sequer pudesse se espelhar em ti. Mesmo assim, ele o faz. Sem saber.
É birrento, não aceita crítica, e fica de cara feia quando toma bronca. De castigo dentro do quarto, ele finge que aquilo num é nada. Que vai passar. Que eu vou voltar atrás.
Não se redime.
A mente dele é mais dura que uma pedra. Bem como a sua sempre foi quando ce entrava naquelas treta com a mãe e a Gabrielle ficava aos prantos dentro do quarto esperando acabar enquanto eu procurava um motivo pra enfiar a mão na sua cara sem remorso.
Eis que enfiei, né?

17 anos. Sem porra de vivência nenhuma, mas sempre achei que dona Sandra era meu santuário e você era o profanador. Você era o antagonista.

Eu te idolatrei, mano. Ce era meu herói. Ce era tudo o que eu queria ser.

A sua idolatria não era amor. Era ego.
Sou seu primeiro filho, homem, que não virou bandido. Que não apareceu no jornal do bairro pra que tu sentisse vergonha.
Esse mérito eu vou te dar. Sim. Por mim, não por você.
Os mesmos cara que colava em casa que ce desprezou durante muito tempo, eu não tenho contato mais. Fica em paz. Não sou como esses mano.
Infelizmente, escolhi o caminho mais longo. Aquele que tem dor e dívida pra caralho.

Ce achou que eu tinha metido o pé do país sem falar contigo, fala aí. Que eu tinha ido embora e levado seu neto sem que tu soubesse de seja lá o que tu queria saber.
Que diferença ia fazer? Ele tá há trinta minutos de você e não sabe qual é a sua cara.
Ele não conhece o avô paterno. Não sabe seu nome.
E, aí, de homem pra homem: não foi por falta de esforço da minha parte. Durante três anos, fiz de tudo pra que vocês tivessem o mínimo de contato.

Eu tentei, caralho! E ce tava onde?!
Foda-se também.

Só queria te dizer que tô aqui, hoje, pensando em tudo que tu poderia ter sido e não foi sendo que, se for ver, o certo era o contrário. Eu deveria pensar em quem eu poderia ser e não sou. EU, o inconsequente que tá ta porta dos trinta, que deveria pensar. Que fez merda pra caralho com a própria vida durante todos esses anos tentando suprir alguma coisa (e essa culpa eu não transfiro pra você) que, agora, anda procurando entender o quê.

Eu tenho medo, pai.
Muito medo.

Medo de ter que lidar com você, porém em outra posição.
Sendo pai de alguém como você.
Sendo pai do seu espelho.
Sendo pai de mim mesmo, talvez.

Medo de ser alguém fraco como você.